© Espólio Fotográfico Português. Armazéns do Anjo (Sucursal), 1939. Passado |
Não é uma novidade: contrapor imagens do início do século passado e imagens do início deste século, num "antes" e "depois" ao comparar os mesmíssimo lugares. No (centro do) Porto, esse é um exercício que dá arrepios, pela forma como a cidade manteve a sua estrutura urbana quase intacta nos últimos 200 anos. Mas isso já não é verdade no que diz respeito aos negócios da cidade. As lojas que se perderam e ganharam, estão incrivelmente documentadas nestes volumes, editados precisamente na altura em que terminava o meu projeto.
Mas não era de revivalismos, ou saudosismos que eu queria ter falado naquele trabalho: apenas de sensibilidade. E as coisas sensíveis nem sempre têm argumentos científicos. Foi dessa dificuldade, de passar de um argumento que era sensível, a um argumento que pudesse ser arguível (numa defesa de dissertação) que me desviei do objetivo que tinha para esse estudo. Felizmente atualizei-o, acabando por estudar as novas fórmulas de um novo comércio que estava a emergir na cidade. De lado ficaram uma dezenas de fotografias que documentavam esse antes e depois, de dezenas de lojas da cidade do Porto. Para mim era a documentação de uma perda; de como os símbolos de uma era haviam sido banidos, eliminados e esquecidos. A arqueologia gráfica por si só não me interessa: criar um museu daquilo que a cidade escolheu esquecer parece-me muito como um exercício de estilo. Mas criar fórmulas arquitetónicas e de design que possam integrar ou reintegrar estes símbolos na paisagem da cidade parece-me sempre um exercício muito mais rico — e tão mais difícil de imaginar.
Armazéns do Anjo, 2011. Presente |
Hoje este exercício parece-me tão mais pertinente do que quando o fiz. Elaborei-o nesse ano para uma submissão ao II Encontro Nacional de Tipografia. Segundo o texto que produzi então: "Pretendeu-se materializar, por imagens, uma viajem no tempo na cidade do Porto, pelo seu comércio tradicional. Descobrir o que aconteceu a este tipo de comércio, o que aconteceu à cidade e de que forma é resgatável o potencial da memória de uma época (primeira metade do séc. XX) que marcou definitivamente o seu desenho."
Estas imagens parecem-me hoje mais interessantes, como experiência visual, pelo exercício temporal, e pela ideia como o apresentei: com a adição de uma terceira imagem que representa o futuro, na sobreposição das imagens do passado e do presente:
"No processo de análise e tratamento das imagens, pareceu-me mais interessante que a visualização lado a lado, do “antes e depois” — ou do “ontem” e “hoje” (…), a visualização da sobreposição das duas, como se tratasse de uma dupla exposição fotográfica do passado e do presente — imagem à qual, quase instintivamente, intitulei de “futuro”. Se realmente o futuro é moldado no “hoje” quotidiano, ele deverá, à luz dos novos paradigmas da nossa era, ser pensado também com base na herança da tradição. A cidade contemporânea não deverá conter apenas a imagem de um passado renovado, mas de um presente com memória, que saiba reinterpretar-se à luz das tradições, adicionando significados à sua identidade presente."*
Armazéns do Anjo (Sucursal). Futuro |
Se bem que a utilização do termo "tradição" é um pouco dúbia em relação ao que hoje considero que seja importante nesse conceito, de forma geral este texto ainda corresponde ao objetivo inicial desta pesquisa: a busca de um argumento (visual, gráfico, mas também histórico, patrimonial e simbólico) para essa regeneração do comércio tradicional do Porto, e da própria identidade do território.
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