Polis

By sufragista - dezembro 07, 2018



Há alguns meses juntei-me a uma manifestação organizada por uma organização feminista da cidade no Porto, a propósito de mais uma triste decisão do Tribunal da Relação do Porto, desta vez num caso de violação, em que os arguidos acabaram com penas suspensas. Esta manifestação reuniu algumas centenas de pessoas na Praça Amor de Perdição, em frente à antiga Cadeia da Relação do Porto. No final da noite eram pouco mais de uma centena de pessoas aí concentradas. Havia uma presença discreta de dois agentes da autoridade, afastados alguns metros dos manifestantes. Quando abandonei essa zona, em direção à Cordoaria, passei junto à antiga Praça de Lisboa, onde hoje em dia existe um pequeno shopping disfarçado com um jardim de oliveiras na parte de cima. Nesse "jardim" — que ocupa um espaço que é público, mas também privado — havia uma concentração de público bem acima de uma centena de pessoas, muita música e ambiente de festa. Havia também muita luz (que não havia já na praça pública onde terminava agora a manifestação), e inúmeras referências gráficas a uma marca de bebidas alcoólicas. Não havia aí a presença visível de membros das autoridades, apesar da concentração de pessoas.

Esta visão foi mais uma de muitas que me fazem repensar a ideia de espaço público, mas principalmente, da forma como o estamos a condicionar para determinadas finalidades — sempre relacionadas com a possibilidade de trocas comerciais. Seja num formato mais corporativo (neste exemplo), ou no caso das feiras de artesanato, ou nas feiras de objectos em segunda mão (das quais já participei), aquilo que pressupõe a participação individual no espaço da cidade é invariavelmente o ato de consumo, ou de troca comercial. Tendo esta prioridade, a cidade será dirigida no sentido de trocar os espaços públicos de discussão (o Ágora) pelos espaços de reunião em torno do consumo — pela sensação de segurança, confiança e conforto que é assegurada pela privatização destes espaços públicos e semi-públicos. É uma privatização da cidade validada pelos seus cidadãos, que se demitem do seu papel político de pessoas da cidade, a polis, (cidadãs e cidadãos), para serem não mais que consumidores.

  • Share:

0 comments