O meu sonho — mesmo, mesmo — era poder desenhar de raíz uma dessas poucas "marcas" de fibras portuguesas. Fibras são, na gíria das tricotadeiras e afins, fios feitos de coisas que podem ser naturais como a lã e o algodão, ou artificiais como o acrílico.
Sonhava em desenhar logótipos, etiquetas, imaginar sites, lojas online; sonhava em imaginar fios, de texturas diferentes e cores infinitas, criar modelos e peças em tricot e crochet, kits DIY e outras coisas que tal, com tanto bom gosto como é possível. Mas sem a tentação de um gosto inglês (ou escocês), ou nórdico, ou mesmo norte-americano.
Talvez seja possível, em Portugal, criar um espaço de bom gosto associado às fibras têxteis, ao tricot e às práticas de transformação de fios, mas tantas vezes parece impossível (e improvável). Começa pelo problema dos nomes. Não lhes quero chamar lavores, palavra cheia de pó e naftalina; também não gosto de chamar-lhes artesanato porque é uma palavra mal-gasta e ingrata; a palavra retrosaria incluí também as ferramentas de transformação; a tentação de falar de malhas portuguesas, mas falamos também do crochet, da tapeçaria, e até do bordado. Há tantas coisas infinitas e sem-nome a fazer com fios! Na improbabilidade de um nome, em português falar de fios ou fibras nunca será o mesmo que falar de yarns.
No meio desta coisa difícil de nomear, é uma pena que as poucas fábricas que ainda produzem fios portugueses não sejam mais auto-valorizadas, estruturadas de uma forma diferente: apequenada e concentrada, em vez de absolutamente dispersas e descoordenadas. Tenho muita esperança que este mercado tão pequeno das fibras se possa dispersar pelo país em fábricas pequenas, cheias de qualidade (muitas fibras naturais, poucas fibras artificiais) e com poucos fios mas muito bons: de torcidos perfeitos, em cores deslumbrantes e perfeitamente coordenadas, acompanhados de uma dose de modelos bem desenhados: usáveis, simples e práticos.
Descrever as coisas perfeitas que sonhamos, é como o sonho em si. Às vezes penso que sou ingénua e que este tipo de produto não é possível cá dentro, que só funciona lá fora. Mas lá fora já há quem faça tão bem, porquê que o consumidor português que quer bom, tem de procurar lá fora aquilo que poderia ter cá dentro. Quando o nosso poder de compra é tão menor, quando a distância ainda encarece tanto os produtos dos outros? Quando as matérias-primas estão cá, tão sub-aproveitadas.
Apesar de tudo, há sinais que há vontade de mudar e construir sobre o que de melhor se pode fazer. É maravilhoso saber que há quem se preocupe em ensinar, testar e demonstrar ao público como se fazem essas fibras naturais que podem voltar a nascer por cá (o caso paradigmático do linho português, famoso desde tempos imemoriais) como é exemplo o projeto educativo do Saber Fazer na quinta de Serralves. Ou a iniciativa bonita da Eglé Bazaraité, essa exímia tricotadeira lituana, radicada em Lisboa que desenvolveu o projeto premiado Salva a Lã Portuguesa, que conta com formações de fiação manual. As iniciativas, sempre construtivas, da Rosa Pomar com a Lã em tempo real e o seu verdadeiro empreendimento de criar várias marcas comerciais de fios portugueses em fábricas portuguesas. De ressalvar também os fios únicos da marca Saber Fazer, desenvolvidos também em fábricas portugueses com matéria prima autóctone. Entre outros projetos de menor dimensão, mas com ótimos resultados: os fios de alpacas criadas em Portugal pela Monte Frio Alpacas e os fios "misteriosos" da marca Lhana, de Vila Real que não se encontram facilmente à venda, estão aqui à venda, garanto-vos, têm os tintos naturais mais bonitos. Do outro lado do oceano, há uma curiosa apaixonada pela lã, que vem buscar velo português e o leva para os Estados Unidos, onde vive, para o tratar, fiar e tingir.
Enquanto tivermos estes amantes dos fios, a esperança de pequenas marcas muito boas de fibras portuguesas continua a ser real.
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