Sobre tricotar

By sufragista - outubro 12, 2018



Não tenho muitas fotos minhas a tricotar, pelo menos de que goste, apesar de ter passado anos a fazê-lo com muita frequência. Entre 2013 e 2014 é provável que tenha tricotado quase diariamente. E foi uma fuga.
Não para a frente, para mas um lado, sensível, que me salvava àquilo que vivi nessa fase da vida. Não lhe vou chamar depressão, mas poderá ter tomado essa forma a um certo ponto. Foi uma fase negra, e eu tricotava para poder respirar, mas essencialmente para me escutar. No meio de um caos pessoal, de dependência emocional, económica, e de um sentimento de deriva — eu conseguia escutar-me enquanto tricotava. E assim não me desliguei completamente de mim. A segunda coisa que fiz para aprender a escutar-me (também) foi começar a fazer yoga regularmente.

Na altura perguntava-me: quem é esta miúda que passou a tricotar e a fazer yoga, vivia a dois numa relação longa, e sonhava com um lar? Tinha sentimentos contraditórios. Onde estava a revolta, a rebeldia, a provocação, (o feminismo!) — que me movia desde a adolescência até aos vintes? Quem era aquela estranha que se havia conformado ao valores burgueses, no meio da maior crise económica que já vivera? E porque é que, apesar de me manter atenta ao mundo, e consciente das injustiças, me votava a um quotidiano vazio, marcado pela incerteza e pelo medo do outro?

Ainda não tenho as respostas todas, mas sei que o maior esforço não foi apenas de me escutar, mas de não me censurar pelas escolhas que — sendo tantas vezes instintivas — pareciam fazer sentido, mesmo quando foram as mais erradas. Tricotar teve um papel essencial para transformar muito sentimentos maus em coisas boas. Foi desta experiência que me lancei a ensinar pessoas a tricotar — juntamente com a Alexandra — nos poucos, mas tão bons — workshops que organizamos as duas, entre 2015 e 2016. Ensinar alguém a tricotar pode ser um ato de amizade profundo, como relata a Carolina neste post imperdível. Passei a seguir o blog dela, tal foi a empatia com aquela experiência.

Hoje tricoto de uma forma muito diferente, e com outros objetivos. É também parte do meu trabalho, algo que foi difícil assumir com o passar do tempo, e por isso, continua a ser tão importante. A fotografia que ilustra este post foi-me tirada pela Beate, uma estudante de design alemã que conheci em Estocolmo, e que estava também entusiasmada com a ideia de aprender a tricotar melhor. Juntámo-nos, com uma amiga, uma tarde, no apartamento dela para trabalhar naquilo que tínhamos em mãos e eu, por não fazer outra coisa se não falar, passava o tempo a desfazer aquilo que tricotava, como se pode ver na foto. Não me lembro de estar feliz naquele momento, mas esta fotografia vai-me lembrar disso para sempre.

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