Quando falam em pessoas à frente do seu tempo lembro-me do Baldwin. As pessoas à frente do seu tempo são apenas aquelas que escolhem estar ao lado porque não há outro sítio para elas na sociedade da sua época. A Hanna Gadsby (no “Nanette”) também diz umas coisas engraçadas sobre esta expressão e sobre as ideias de genialidade e de criatividade. A propósito da genialidade e do selo de "artista incompreendido" de Vincent Van Gogh, Gadsby desconstroi esta ideia-feita da seguinte forma:
"(...) Nobody is born ahead of their time. It’s impossible! Nobody’s born ahead of their time! Maybe premmie babies, but they catch up! Artists don’t invent zeitgeists! They respond to it. He was not ahead of his time (...)"
O Baldwin era visionário mas aquilo que ele diz só está a ser realmente ouvido quase 30 anos depois de morrer. Já dizia o Joe no “Anjos na América” (T. Kusnher): “Time is conservative, it moves slowly”. Penso nesta frase muitas vezes principalmente porque obceco muito com tempo e memória: o tempo não detém personalidade, não é conservador tal como um advogado republicano, o Joe, mas nós somos, quando nos organizamos (socialmente) para impedir mudanças de poder. A História soa-me sempre à história da mudança de poder, “Rei morto, rei posto”: a história da sucessão e das heranças. Se o poder que conhecemos no Ocidente, no último milénio (pelo menos) tem sido repetidamente passado entre homens brancos, então essa é a cara familiar onde o poder está: o poder está no chefe de família, no professor, no empresário, no político — no "Responsável".
Habituamo-nos a reconhecer o poder numa horda de homens brancos engravatados e de meia idade que gerem, decidem e controlam. Qualquer outro rosto é parcialmente controlado, apoiado ou veiculado pelos homens brancos. Porque eles deixam. Porque eles permitem que às vezes sejam homens negros, ou de outros tons de pele (como o PM português), de outras religiões ou etnias, de outras nacionalidades, com outros sotaques e às vezes, sob grandes excepções, até mesmo mulheres. Nos casos mais raros, pessoas que assumem sexualidades diferentes da norma ou mesmo não binárias. No limite, alguém que acumule algumas destas condições, como mulheres negras, de que há finalmente uma representante no Governo, faltando ainda a devida representação no nosso parlamento.
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