O futuro à nossa espera

By sufragista - abril 06, 2022





Se calhar escrevo sobre o futuro, precisamente agora, e depois de tanto tempo a adiar este texto e a escrita, porque me sinto finalmente — depois de tantos anos — a chegar a um ponto de equillíbrio interior que me permite vislumbrar o meu. Imaginá-lo, descobrir-lhe os contornos, e quase tocá-lo. Chama-se esperança, talvez, a esta ideia de conseguirmos imaginar o nosso futuro, de nos atrevermos a sonhar com ele.

Passei grande parte da minha adolescência e idade adulta a sonhar acordada. A imaginar um futuro para fugir ao presente, e a tudo aquilo que estava desordenado, ou por vezes, profundamente errado, na minha vida. Todas as injustiças. Talvez pensar em esperança quando começa uma guerra na Europa, e com ela tantas outras crises, seja uma desordenação pessoal com o cosmos. Mas a Primavera está a aqui para me brindar com os raios quentes do sol e susurrar que o sofrimento terminou, que é tempo de dançar novamente. Que não tenho de me refugiar mais num corpo que não me pertence, mas curá-lo para fazer com ele o que quiser. Que me tenho de respeitar, e não ignorar mais a dor (nenhuma dor). E quão difícil é fazê-lo, num mundo (num país) em que a glorificação da dor e do sofrimento é uma cruz. 

O que aprendi de valioso: dizer nunca é talvez ingénuo, mas dizer não é o ato mais libertador — se não sei ainda o que serei, sei exatamente o que não serei, o que não dizer, o que não farei mais. Considerar as linhas vermelhas, as intranponíveis, as que não permito mais pisar. Dor, sofrimento, autocomiseração, negação. Não ouvir mais a segunda voz que me diz para ceder, mas a primeira, instintiva, e que me mostra apenas a direção. Ignorar todas as outras em que complico, dobro em quatro, guardo, revejo-o vezes sem conta, como um texto. Guardar apenas o essencial: o impulso inicial, a busca, a perserverança, o horizonte ao longe. Assim chegarei lá, um dia. Não um horizonte falso, de papel, como o do Truman no The Truman Show, mas um horizonte cambiante, psicadélico, em perpétuo movimento. Um movimento que me envolve, e que muda comigo. O meu horizonte maduro, como uma fruta, como a minha carne a fazer-se madura nas curvas dos anos. E eu a apreciar o tempo, a fisicalidade do tempo em mim, cruel e manso, ao mesmo tempo. Uma mentira e uma verdade permanente: quantos anos tem o teu corpo? E a tua cabeça? Quem és tu? E no fundo: — Estás preparada para ser outra, amanhã?

Nem sempre confio na divagação, por vezes perco-me e não vou ao cerne, fico só pela película das coisas. Como a libelinha que tem de quebrar a superfície da água do rio para depositar os seus ovos no leite do rio, um parto exceptionalmente difícil. Mas talvez, a história da libelinha não deve ser tanto sobre chegar ao leito do rio, mas sim sobre como o fará. Como quebrar a membrana fina da água gélida? Talvez com tempo e perseverança suficiente a humanidade consiga enfrentar consequentemente os seus demónios e prostar as suas negações históricas, para que possamos dar lugar a uma nova era, enraizada na profundida de um rio cheio de vida. “More life” dizia o Prior nos Anjos na America, “more life”. O segredo continua a ser viver e desejá-lo com todas as forças. O futuro estará sempre à nossa espera.

  • Share:

0 comments