Neo-racismos
Já sabemos pela história que quem detém o poder é quem repete as histórias mais vezes e têm acesso aos olhos e ouvidos do mundo. Israel tem sido pioneiro na criação de ficção e na escrita de argumentos para o cinema americano e europeu.
O que podem não saber é que também tem criado filmes sobre a história judaica que passam apenas em circuito fechado nas comunidades judaicas e em Israel. Um desses filmes foi filmado há poucos anos (2019), em vários locais do norte do país, como o mosteiro de Leça do Balio. Soube por fonte direta que foi uma produção muito cara, um filme de época praticamente só com cenas filmadas nos locais (mosteiros e castelos do norte do país), e com inúmeros atores/atrizes e técnicos portugueses.
A possibilidade de contar estas histórias e de construir narrativas, – inspiradas claramente na hegemonia cultural americana alcançada através de Hollywood – é um feito possível na medida exata do poder económico e político no mundo. Com dinheiro e poder é possível influenciar as narrativas e o desenho da história para sermos sempre os vencedores, — ou as vítimas, ou os carrascos (conforme necessário).
Talvez seja útil refletir com base no nosso próprio viés histórico, e sobre como nós portugueses continuamos a ser um mistério aos olhos do mundo: pioneiros da pior faceta da globalização, mas cronicamente empobrecidos até aos dias de hoje. Como nos empenhamos largamente durante o último século a criar e manter a todo o custo uma narrativa épica de direito ao mundo e de exploradores abençoados, adoçada com o luso-tropicalismo que nos iliba dos nossos crimes mais odiosos, qual confissão cristã, e nos converte num povo com uma capacidade humanista de abertura ao outro. Uma teoria do não-racismo que nos continua a escudar da própria palavra, mas nunca da história. Porque sabemos que ela virá um dia por nós, seja numa estátua, numa exposição, num texto, num projeto artístico — a história está à espreita e será revelada incomodamente sempre que nos arrogarmos levantar um pouco o véu sobre o passado. E continuaremos a calar essas vozes incomodas, esse passado que se quer mumificado, para que não fale. Apenas um totem inanimado da ideia de conquista e expansão como uma necessidade absoluta, um fado.
0 comments