Grada

By sufragista - novembro 04, 2020




A Grada Kilomba enuncia o processo de consciencialização do racismo, o estrutural e também o pessoal, como um processo psicológico traumático que começa, precisamente, com a negação. Ganhar consciência do privilégio hereditário que a sociedade portuguesa branca herdou, começa precisamente pela recusa em ver. Porque quando aceitamos olhar esse passado colonial, sem o discurso da glorificação, da negação passamos à culpa. Esta é uma culpa moral, não necessariamente personalizada, mas que ganha forma perante o conhecimento dos horrores que perpetuamos ao longo de séculos. De como todos beneficiamos, como portugueses e europeus, deste sistema desumanizador do outro. O processo de culpa culmina na vergonha, um sentimento intenso de repúdio e tristeza pelo qual nos temos, pessoal e coletivamente, de nos responsabilizar. E só neste ponto podemos passar ao reconhecimento deste passado, da consciência de aceitar estes factos históricos e políticos e de os inscrever na história nacional, mas também na história pessoal de cada um. Não é por acaso que várias pessoas da minha geração negam a possibilidade de diálogo com as suas famílias sobre a forma como enriqueceram com a escravatura que tomou lugar nas ex-colónias. O que nos leva ao culminar deste processo: a reparação. Só reconhecendo o que se passou, e inscrevendo esse reconhecimento na história e nas instituições (da escola à justiça), podemos começar os processos de reparação. Porque qualquer processo traumático só é ultrapassado com uma ação que pressupõe o fim da tensão e no fundo, o desejo de paz.

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