Às vezes lembro-me de ti como seu fosse eu, talvez porque desde que foste embora, a minha identidade tenha constantemente sido fundida com a tua, numa simbiose que não quero reconhecer. Em muitas coisas passei a ser tu, sem deixar de ser eu, mas a deixar de ser o eu que teria sido se estivesses aqui a celebrar mais um aniversário. Às vezes sinto-me um espectro do que foste, uma cópia má e tento superar-te, superar-me, mas encontro-me sempre contigo no reflexo do espelho ou no eco da minha voz que ainda me soa por vezes à tua. Sei que faço muito esforço por ver na minha biografia algo que me afaste da tua para garantir o meu espaço a ser eu mesma, sem o fantasma da tua vida. Mas leio o mesmos livros, coleciono os mesmos objectos e cozinho as coisas que provavelmente irias também fazer hoje. Caminhar ao teu lado era bem mais divertido que inventar uma vida diferente da tua, sem deixar de te habitar em tudo. Hoje, parece que estou só a flutuar sem destino certo, nas ondas deste mar, sem pressa de ver o futuro como em tempos tive.
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