Catarse do confinamento

By sufragista - março 11, 2021





 
Às vezes tenho medo de ser tanta coisa ao mesmo tempo. Ser mariamélia e ser feminista, ser designer e ser anti-capitalista, ter um negócio e ser alérgica ao liberalismo económico, ser portuguesa e defender o que é (bem feito) cá e ser ativamente anti-racista (e anti-nacionalista). Ser feminista e tricotadeira, ser solteira com três gatas, ser heteronormativa mas odiar a cultura do “dating”. Ser demasiado fragmentada nos meus interesses para conseguir imaginar uma especialização. Ser trintona e sentir-me ainda nos vintes, cheia de dúvidas e incertezas, mas com uma série de mágoas acumuladas, e algumas lições de vida.

Não gosto de etiquetas.
Não quero ser menos nem mais do que sou em cada momento da vida. Nem melhor nem pior do que já fui. Só ser na medida do possível, o mais próxima da minha consciência, o mais correta com a miúda de 17 anos que já fui. Que não me defraude a mim mesma, e, acima de tudo, que não me volte a mentir a mim mesma, para apaziguar o que não se encontra dentro de mim.

Ando vazia. Esta solidão confinada cria espessura, mesmismo, faz-me mais monótona, monocórdica, destabilizada. Não durmo bem. As semanas estruturam-se à força, perco de vista os contornos dos dias: os sonhos misturam-se na manhã e à noite os pensamentos deixa-me acordada. Tento agarrar o momento, disciplinar-me, mas a vontade ou o corpo falha, uma e outra vez. Deito-me preocupada, acordo exausta, presa, rígida, irritada. Nem os passeios de fim-de-semana, nem o sol na varanda, já nem os livros ou os filmes me salvam. Preciso de pessoas reais, preciso de cheirar pessoas, me incomodar com apertões e desconfortos, com gente a mais por metro quadrado, por barulho e balbúrdia, por inquietação.

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