Pontevedra, Agosto 2022

By sufragista - agosto 19, 2022


A angústia do mundo quase expande quando visitamos novas cidades, e novos países. É como um nó que se desata na imagem curta que fazíamos do mundo até aí. Como descobrir cada galáxia do sistema solar, e do universo. Primeiro há um formigueiro que me deixa paralisada momentaneamente pelo impacto dessa nova galáxia humana, depois, a consciência de que agora, temporariamente, faço parte dessa partícula do mundo que desconhecia até então. E rapidamente, instalou-se uma espécie de angústia permanente tão boa como má, que me permite navegar esse novo cosmos sem lhe pertencer por completo — sem ser alterada por ele. Esta é a angústia do viajante, do imigrante, dos deslocados — Os turistas são os que mais estratégias tem para evitar este sentimento. A primeira é nunca pensar em pertencer a esse novo cosmos; a segunda é permanecer como ilha— isolada dos outros por muros altos que são interpretáveis ele pelos demais; e a terceira é relativização daquela experiência, Que me permite não ser penetrado, e portanto, alterada por ela.

Os demais, talvez os “permeáveis“, sofrem deste angústia não pelo facto de deslocação ou desconforto — na adaptação a outro lugar, outra comunidade, mas pela sessão de impossibilidade de sentir empatia e solidariedade com um número tão grande de pessoas, num território tão pequeno. Este é um sintoma das cidades, grandes ou pequenas. Recordo-me deste sentimento bizarro quando percorria a linha de comboio que me levava ao centro de Paris, ou o autocarro português em que atravessava Londres em direção ás suas atrações turísticas. Também nas ruas grafitadas de Berlim e nas avenidas infinitas de Madrid. Senti sempre esta angústia, de uma forma ou outra, em todas as minhas viagens. Quanto mais tempo passo num sítio mais fácil é aprofundar neste sentido, mas sem o vislumbre de o fazer desaparecer. Ele alimenta-se da semente infinita da humanidade — a sua capacidade infinita de se reproduzir, resistir, vingar por todos os meios possíveis. As cidades mostra-nos em permanência a voragem do tempo sobre os lugares impressionante capacidade de vida da nossa espécie — que nos impressiona e maravilha, tanto como nos aterroriza.

Exemplo: as feições das pessoas com que nos cruzamos na rua. Num lugar familiar, rotineiro, as feições de cada estranho transeunte São expectáveis, quase adivinhadas. Os contornos das pessoas, as suas cores, a forma como se movem movem pela cidade, a cartografia de cada peão, de cada bicicleta, de cada carro é pré-imaginada antes de ser realmente observada. Ela pré-existe na nossa imaginação a partir dos milhões de imagens que guardamos dos mesmos lugares, e dos mesmos momentos. As peças deste puzzle são reconhecidas, não contêm surpresa. Mas um lugar “familiar familiar“ pode tornar-se “estrangeiro“ — após uma longa ausência, por exemplo, até voltarmos a reconhecer novamente O seu cosmos nas nossas imagens de arquivo da memória hora. Ora, num lugar desconhecido, que visitamos muito raramente, o nosso conjunto de imagens é mais reduzido — e as informações que temos sobre esse lugar e as suas pessoas, também.

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