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Sobre o eco-guerreiro influcencer pós-moderno

By sufragista - junho 24, 2020


Há algum tempo fiquei com uma imagem muito gravada na memória, de um vídeo que vi no Instagram. Conteúdos efémeros que é suposto não retermos, e que inclusive neste caso, já não está sequer online, mas que me ficou profundamente gravado. Tratava-se de uma “influencer” ecologista, que estava a começar a criação de uma plataforma de partilha de informação sobre viver sem desperdício e de redução da pegada ecológica, ao mesmo tempo que mostrava a sua casa, a sua vida, a sua família e a sua rotina pessoal. No meio de uma série de vídeos sobre produtos “verdes”, esta influencer falava sobre as suas crenças. Dizia que que se considerava conservadora e cristã, e que acreditava num mundo melhor, mais equilibrado e mais igualitário mas achava uma grande injustiça que algumas pessoas tivessem direito a subsídios do estado, quando não tinham ganho direito a eles (porque não trabalhavam, e por isso eram subsídio-dependentes). 

Este discurso não é novo, nem exclusivo de Portugal. É um discurso antigo e muito comum em tantos países onde as taxas de população “on wellfare” são certamente brutais comparadas com o que se passa no nosso país (principalmente porque têm sistema de segurança social mais robustos que o nosso). Normalmente são as pessoas com este perfil que apoiam este tipo de discurso. Mas neste caso, toda aquele “ativismo” em prol do ambiente e da sustentabilidade (o que quer que seja que isso seja neste contexto), acabava de cair por terra, literalmente, depois daquela ressalva. Porque aquilo não cabia ali, não era um conteúdo que fizesse sentido naquele contexto, e se ele tinha sido referido, era porque era importante para que os seus seguidores soubessem ao que ela vinha: sustentabilidade ambiental baseada em produtos e marcas verdes — aos quais só um nicho pode aceder — mas nada de gente que viva “à custa” do estado. E esta absoluta falta de empatia vinda de um lugar de absoluto privilégio — foi o que mais me chocou. Porque este discurso só pode vir de alguém que não conhece o seu próprio privilégio, da sua posição “abençoada” na pirâmide das coisas, que lhe permite ter uma vida dedicada a pensar como viver de forma mais ecológica, e a fazer disso um negócio pessoal. Para poder estar nesse lugar, e pensar essas coisas e ter esse tipo de preocupações, nunca esteve com certeza na posição de ter de pedir dinheiro ao Estado para viver. Porque, não obstante os casos de abuso que possam existir nesta área (e certamente que não serão tão graves como os crimes económicos perpetrados pelas empresas mais ricas), ninguém pede dinheiro ao Estado e tem direito a ele porque está em casa a pensar em formas mais verdes de consumo. Falamos de pessoas que mal chegaram ao estatuto de consumidores, quanto mais de consumidores pós-modernos. Fazer essa ponte, esse caminho longo que a ascensão social da falsa “meritocracia” não permite, só é possível através de todos os subsídios e apoios do Estado. E aqui nunca falo de cór, eu vi e sei como é possível garantir que a geração seguinte já não vive num ciclo de pobreza, para que a geração a seguir à minha esteja garantidamente a salvo dela. E é preciso muito dinheiro do Estado para lá chegar.

3 Fevereiro 2020

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